sábado, 29 de maio de 2010

História da Arte Anatólia

A península do extremo oeste da Ásia, que hoje pertence à Turquia, é uma região que tem muitas peças artísticas cujo significado passa uma idéia de seu verdadeiro valor, que era "brilho do Sol" ou "do leste". Conheça esse vasto mundo que hoje merece a atenção dos historiadores


Ícone retirado de Monte Atos representando
o primeiro conselho ecumênico em Nicéia.

A Península da Anatólia é uma ponte cultural desde tempos remotos. Ligando a Ásia à Europa, propiciou o trânsito de mão dupla de povos e de idéias. Aí se concentra o maior número de cidades antigas do Oriente Próximo. Não é inútil lembrar a história do nome. Homero utilizou o termo anatolé (talvez de origem hitita) como indicativo do nascer do sol; quase dois mil anos depois, no século X d. C., por iniciativa do imperador de Bizâncio Constantino Porfirogeneta, Anatólia passou a ser sinônimo de Ásia Menor, o território asiático a leste do Mar Egeu, que atualmente designa a parte asiática da Turquia. O historiador espanhol Paulo Orósio, do século V d. C., parece ter sido o primeiro a falar em Ásia Menor e fez isso para diferenciar a província romana asiática do restante da Ásia, incomparavelmente maior.

Faltou à península um centro natural e um rio de grande porte que lhe servisse como via de ligação, por isso a Ásia Menor favoreceu a autonomia política entre seus vales habitados. Diferentemente do que se verifica no Vale do Nilo e na Mesopotâmia, a Anatólia não experimentou uma dinâmica de integração política em grande escala. É também uma área de grande atividade sísmica e vulcânica, particularidade que condiz com o aspecto muitas vezes sinistro e mórbido da sua arte antiga. Essa instabilidade geológica da Ásia Menor propiciou a riqueza dos povos que a dominaram na Antiguidade, pois as mesmas intempéries destruidoras deixavam como recompensa para os sobreviventes um solo rico em obsidiana, cobre, prata, chumbo e ferro, daí o papel importantíssimo desempenhado pelos anatólios como exportadores desses mesmos materiais para todo o Oriente Próximo e o mundo egeu.

Tomando o sentido oeste, os conhecimentos científicos da Mesopotâmia atravessaram a Ásia Menor, atingindo a Jônia e os Bálcãs - um fenômeno que se liga diretamente à ascensão cultural da Grécia em meados do primeiro milênio a. C.: o conhecido "milagre grego". Poucos séculos depois, viajando no sentido inverso, os helenos guiados por Alexandre Magno cruzaram a mesma península, chegando à Mesopotâmia, ao Irã, à Índia e à Ásia Central, difundindo a cultura grega por todo o mundo antigo, que nunca mais foi o mesmo. Interessa-nos falar aqui principalmente de uma época anterior a Alexandre; época em que a Anatólia foi o centro difusor de algumas inovações fundamentais para o Oriente Próximo, tais como o aproveitamento da roda na locomoção de carros de guerra, considerada "a invenção mais importante do segundo milênio a. C.", como diz C. W. Ceram no seu ensaio sobre a cultura hitita. A bem dizer, tanto o cavalo quanto o carro de guerra já eram empregados no Oriente Próximo desde tempos anteriores.

Mas era um emprego reduzido, que nada tinha de sistemático. Melhorando as condições de criação e treinamento dos cavalos e aperfeiçoando do carro de duas rodas, os hurritas "criaram uma arma nova e temível a ser utilizada em todos os campos de batalha orientais a partir do século XV a. C.; eis aí sem dúvida a grande contribuição dos indo-arianos para a civilização mesopotâmia", segundo Georges Roux. O cavalo adquiriu importância extrema na guerra, no transporte e em diversos outros contextos sociais no Oriente Próximo e, por extensão, em praticamente todas as outras sociedades que o conheceram. Isso ajuda a explicar o estatuto de nobreza que os homens costumam lhe conceder. Dada a tendência humana a tratar o útil e o belo como uma só qualidade, é natural que haja um consenso universal quanto à beleza do cavalo - e que, por isso, ele seja um tema freqüente em todas as artes. A mesma argumentação nos leva a compreender a admiração que os beduínos do Oriente Próximo desenvolveram pelo camelo, chegando a fazer dele um paradigma da beleza e a usar mais de mil palavras diferentes para designá-lo.


Relevo em mármore do deus
frigio Men, do fim do século II d.C.

A situação geográfica da Anatólia, tão próxima e facilmente conectada aos continentes vizinhos (a própria África não dista muito, dada a estreiteza do mar Mediterrâneo, sem contar a existência de várias ilhas e portos que sempre serviram de escalas intermediárias aos barcos), podia atuar como vantagem ou desvantagem, dependendo das circunstâncias. Essa posição centralizante e de fácil acesso favorecia o intercâmbio cultural benéfico, mas também deixava a península exposta a invasões vindas de todos os pontos cardeais. Os mesmos povos que vinham da região do Danúbio, do Cáucaso, da Grécia e da Mesopotâmia traziam à Anatólia a sua contribuição artística juntamente com uma diversidade de convulsões sociais, que muitas vezes se traduziam por guerras visando a conquista ou simplesmente a pilhagem.

Nisso encontra-se uma explicação para a instabilidade política que marca os rumos da história da Ásia Menor, sobretudo no período que precede a helenização quase completa da península a partir da ascensão de Alexandre Magno. Por sua vez, essa inconstância política e social desfavoreceu o florescimento das artes na Ásia Menor, o que ajuda a compreender a posição subalterna do seu patrimônio artístico perante os grandes pólos civilizatórios do Egito e da Mesopotâmia, seus contemporâneos. É uma situação semelhante à do eixo geográfico formado pela Palestina, a Síria e a Fenícia, bem como à do Irã, já ao leste da Mesopotâmia. Eis por que podemos considerá-las zonas periféricas relativamente à Mesopotâmia e ao Egito.

"Dentre todas as estruturas políticas do antigo Oriente Próximo, nenhuma alcançou uma solidez comparável à do Egito"

Cabe insistir que estamos a falar de um papel subalterno relativo a essas culturas vizinhas. A superioridade em apreço decorre da rapidez com que o neolítico deu lugar à civilização na Mesopotâmia e no Egito. O ocorrido na Mesopotâmia e no Egito foi algo de extraordinário; não seria exagero falarmos em "milagre mesopotâmio" e em "milagre egípcio". A Ásia Menor, a Palestina, a Fenícia, a Síria e o Irã seguiram um desenvolvimento cultural muito mais lento, que é o consoante à regra na história da cultura. A exceção está do outro lado, em Sumer e no Vale do Nilo. Dentre todas as estruturas políticas do antigo Oriente Próximo, nenhuma alcançou uma solidez comparável à do Egito. A Mesopotâmia carece de fronteiras naturais, o que condiz com a sua indefinição geográfica.

As invasões constantes e as guerras quase ininterruptas que marcam a Mesopotâmia antiga (características que tornam a sua história praticamente inversa à do Egito) não impediram que a cultura e a arte se desenvolvessem de forma contínua, sem as rupturas típicas das zonas periféricas. Henri Frankfort esclarece que em quaisquer outras partes da Ásia - Anatólia, Síria, Palestina e Pérsia - convulsões similares tiveram um efeito muito mais destrutivo, pois a fábrica cultural era menos resistente. Há, é claro, uma produção artística digna de interesse nessas partes da Ásia. Falta-lhes por vezes um vínculo que nos permita detectar devidamente seus ancestrais e herdeiros; boa parte dos monumentos artísticos nessas regiões caracteriza-se pela carência de habilidade técnica. Apesar de tudo, é através das zonas periféricas que a arte da Mesopotâmia chega à Europa, inicialmente no século VI a.C, e posteriormente na Idade Média. Concentremo-nos, doravante, na Ásia Menor.

Povoada desde o paleolítico, a Anatólia deixa dúvidas quando à continuidade do seu processo de povoamento. Os estudos arqueológicos permitem dizer que a península chegou a abrigar uma população considerável naquele período. A única gruta representativa de uma ocupação humana ininterrupta no paleolítico (Karain, perto de Antalya, no litoral sul da Ásia Menor) guarda no seu interior, além de ferramentas feitas com pedra e osso e alguns artefatos portáveis, vestígios fósseis tanto do homem de Neanderthal quanto do Homo sapiens sapiens. A Ásia Menor ingressa no neolítico por volta do oitavo milênio a. C., graças à contribuição cultural que lhe é trazida por emigrantes vindos do norte da Síria e que se instalaram na parte oriental da cordilheira do Taurus.

Surgem a agricultura e as primeiras aldeias, com casas feitas de tijolos crus e apoiadas sobre bases de pedra. As inovações técnicas do neolítico chegam ao centro da península entre 6.500 e 6.000 a. C.: é a época estimada para os sítios arqueológicos de Hacilar e Çatal Hüyük, vilas aglutinantes em que as casas se uniam umas às outras de tal forma que as vias de entrada e saída precisavam estar situadas na parte superior das habitações. A cerâmica surge no fim do sétimo milênio a. C. em Çatal Hüyük, perto da atual cidade de Konya; foi a sede de uma cultura florescente entre 6.000 e 5.500 a. C. Decoradas com relevos e pinturas, as casas continham ainda estatuetas de pedra e de terracota.

A música era praticada em conjunção com a dança, a julgar pelo que nos dizem algumas daquelas pinturas sobreviventes. Quase tão antiga quanto Jericó, Çatal Hüyük foi um centro urbano avançadíssimo para a sua época; não teve rivais nem no Oriente Próximo e nem no mundo egeu durante o neolítico. Quanto ao pioneirismo da técnica agrícola, devemos pensar em Jericó, por volta de 8.000 a. C. Cabe referir também a existência de um assentamento antigo (do sexto milênio a. C.) na Macedônia grega, que demonstra laços culturais tanto com Çatal Hüyük quanto com a ilha de Creta. Trata-se de uma corrente leste-oeste de grande importância para os primeiros assentamentos europeus. (Pouco sabemos sobre as línguas indígenas da Anatólia, chamadas "anatólias" ou "asiânicas". Foram faladas na Ásia Menor até os primeiros séculos da era cristã, quando o grego as suplantou. O assunto é muito complexo e as fontes para o seu conhecimento são de origem grega, indireta portanto.)


Três figuras típicas da arte da Anatólia,
datadas do início da idade do Bronze, expostas
em um museu alemão de Badisches.

Passado o período calcolítico (5.000 a 3.000 a. C.), que transcorre sem grandes inovações, a Anatólia entra num período resplandecente. É a idade do bronze, marcada pelo surgimento de grandes civilizações, como é o caso de Tróia, cujos primeiros assentamentos são estabelecidos entre 3.000 e 2.500 a. C. (Historiadores como Fritz Baumgart referem-se a uma influência da arquitetura troiana sobre a Grécia.) Durante o terceiro milênio a. C. parecem ter chegado os primeiros indo-europeus, que assumiram o comando das populações autóctones, das quais se destacavam os hurritas. A arquitetura dessa época não ultrapassa o contexto puramente utilitário; surgem as artes plásticas, estimuladas pela metalurgia (cobre, ouro e prata eram fartos), que propicia não só a produção de ornamentos, mas também - e talvez principalmente - a de armas e ferramentas.

A falta de minérios nas suas terras levou os mesopotâmios a se interessarem pela Anatólia, rica em jazidas. Isso rompeu o isolamento milenar dos anatólios das terras altas, que passaram a exportar seus minérios para os povos da planície da Mesopotâmia, cujo estilo ornamental influiu diretamente na técnica dos ferreiros e joalheiros da Ásia Menor a partir do período dinástico na Suméria (2.850 a 2.340 a. C.). Integrada assim à órbita cultural da Mesopotâmia, da qual ela até então havia estado à margem, a Anatólia começou a usufruir diretamente do progresso nascido nas terras baixas da Suméria. Juntamente com o comércio vem a escrita e o estilo zoomórfico do artesanato. A dependência estilística perante os sumérios não é suficiente para explicar toda a produção artística do período. Isso é flagrante, por exemplo, em certos ornamentos encontrados em Tróia, que parecem apontar para remanescências neolíticas.

.:: Leituras da História


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