segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O declínio dos Maias

Pesquisas recentes reafirmam o papel essencial do clima no colapso da grande civilização que ocupou extensas áreas da América Central


Templo de Kukulcán. Construído na antiga cidade
de Chichén Itzá, México; O Templo de Kukulcán,
principal estrutura de Chichén Itzá demonstra os
profundos conhecimentos que os maias possuíam.

Com sua magnífica arquitetura e sofisticado conhecimento de astronomia e matemática, os maias foram uma das grandes culturas do mundo antigo. Embora não utilizassem a roda nem instrumentos de metal, eles construíram pirâmides, templos e monumentos imensos de pedra talhada.

Grandes cidades e centros cerimoniais pequenos se espalhavam por toda a planície da península de Yucatã, que abrange parte do México e da Guatemala e quase todo Belize. De observatórios astronômicos como o de Chichén Itzá, eles acompanhavam a trajetória dos planetas e desenvolviam calendários precisos.

Além disso, os maias criaram seu próprio sistema matemático com base numérica 20 e dominavam o conceito de zero. Também desenvolveram uma escrita hieroglífica que empregava centenas de complicados sinais.

A civilização maia atingiu seu ápice durante o chamado período Clássico (250-950). No auge, em 750, a população talvez tenha ultrapassado 13 milhões. Porém, pouco tempo depois, entre 750 e 950, houve rápido declínio. Centros urbanos densamente povoados foram abandonados, e seus impressionantes edifícios viraram ruínas. A extinção dessa civilização (que os arqueólogos chamam de "o colapso terminal do período Clássico") é um dos grandes mistérios antropológicos dos tempos modernos. O que teria acontecido?

Ao longo dos anos, estudiosos propuseram as mais variadas hipóteses para explicar esse declínio: guerras internas, invasão estrangeira, surtos de doenças, dependência da monocultura, degradação ambiental e mudanças climáticas. É provável que a explicação verdadeira seja combinação destes e de outros fatores. Entretanto, nos últimos anos, acumularam-se os indícios de anomalias climáticas perto do fim do período Clássico, o que dá crédito à idéia de que intensas secas tiveram papel preponderante na queda desta civilização antiga.

Dado o aspecto das ruínas maias, com cidades enterradas sob densa vegetação florestal, surpreende que o Yucatã seja de fato um deserto sazonal. A exuberância da paisagem depende muito das chuvas de verão, que variam consideravelmente de um lado ao outro da península. A precipitação anual vai de 500 mm ao longo da costa setentrional a 4 mil mm em partes do sul. De junho a setembro, a umidade diminui até 90% e dá lugar a um inverno muito seco, entre janeiro e maio. Esse contraste resulta da migração sazonal da umidade associada à zona de convergência intertropical, também conhecida como "equador meteorológico". Nessa zona, ventos alísios do nordeste e sudeste convergem, forçando o ar a subir, produzindo nebulosidade e chuvas abundantes. Durante os meses de inverno, essa zona de convergência se desloca para o sul, e condições secas prevalecem sobre a península do Yucatã e a porção norte da América do Sul. Com o verão, ela migra para o norte, ocasionando chuvas no Yucatã e no sul do Caribe, as quais revigoram a vegetação.

O contraste sazonal obrigava os maias a enfrentar uma longa temporada seca a cada ano. Essa característica do ambiente teve importância especial no Yucatã, onde a água geralmente não flui sobre o solo. Lá, a chuva tende a dissolver as abundantes rochas calcárias, formando cavernas e rios subterrâneos. Por causa disso, não havia povoados ao longo de grandes cursos fluviais, como era comum em outras partes do mundo. Mesmo centros regionais importantes, como Tikal, Caracol e Calakmul desenvolveram-se em locais sem rios ou lagos permanentes. A ausência de água superficial durante quatro ou cinco meses do ano em tais áreas estimulou a construção de sistemas de armazenamento em grande escala.

Várias cidades foram projetadas para coletar a água da chuva e canalizá-la em canteiros, escavações e depressões naturais especialmente preparados para impedir que ela se infiltrasse no solo. Tikal tinha inúmeros reservatórios que, juntos, podiam armazenar o suficiente para atender as necessidades de água potável de cerca de 10 mil pessoas por 18 meses. Os maias construíram também reservatórios no topo das montanhas, aproveitando a gravidade para distribuir a água por canais em complexos sistemas de irrigação. Apesar da sofisticação de sua engenharia hidrológica, eles dependiam em última instância das chuvas sazonais para repor seus reservatórios, pois a água subterrânea natural era inacessível em parte considerável de seus domínios.

No inovador livro The great Maya droughts (As grandes secas maias), o arqueólogo Richardson B. Gill argumenta de forma persuasiva que a escassez de água foi um fator importante no colapso terminal do período Clássico. Gill reúne enorme quantidade de informações sobre o tempo e o clima modernos, recorre ao registro histórico de estiagens e períodos de fome e apóia-se em vestígios arqueológicos e estudos geológicos para desvendar o clima do passado. Para ilustrar a importância da rocha calcária porosa, por exemplo, ele cita Diego de Landa, bispo de Yucatã, que escreveu em 1566: "A Natureza trabalhou de maneira tão diferente neste país no que diz respeito aos rios e nascentes, que em todo o resto do mundo eles correm sobre o solo, mas aqui eles fluem por passagens secretas subterrâneas".

Quando esse trabalho foi publicado, há alguns anos, as evidências mais eloqüentes a favor da hipótese das secas prolongadas vinham de perfurações no sedimento de lagos do Yucatã feitas por David A. Hodell, Jason H. Curtis, Mark Brenner e outros geólogos da Universidade da Flórida. As medições desses depósitos antigos indicam que o intervalo mais seco dos últimos 7 mil anos caiu entre os anos 800 e 1000 de nossa era - coincidentes com o colapso da civilização maia clássica. Estudos posteriores encontraram indícios de um padrão recorrente de secas, o que parece também explicar outras rupturas menos dramáticas na evolução cultural maia.

A Conexão Venezuelana

Nossa contribuição ao entendimento das condições climáticas durante a época do colapso terminal do período Clássico provém do estudo de um local distante, nunca habitado pelos maias. Junto à costa setentrional da Venezuela situa-se uma notável depressão na plataforma continental, conhecida como bacia de Cariaco. Com profundidades de cerca de 1 km, cercada por declives e pela plataforma rasa, essa bacia age como armadilha natural para sedimentos. A borda erguida ao norte impede a penetração das águas do oceano aberto, mais profundas, e a baixa circulação de água priva o fundo da bacia de oxigênio dissolvido (isso ocorre desde o fim do último período glacial, há cerca de 14.500 anos). O solo lodoso e sem oxigênio é hostil à presença de organismos marinhos que habitam e reviram o fundo em busca de alimento. A integridade dos sedimentos, que em Cariaco são constituídos de camadas claras e escuras alternantes, cada uma com menos de 1 mm de espessura, fica assim preservada.

Os fatores que originam essas camadas são bem conhecidos: durante o inverno e a primavera do Hemisfério Norte, a zona de convergência intertropical encontra-se ao sul do equador, e chove pouco sobre a bacia de Cariaco. Nessa época do ano, ventos alísios vigorosos sopram sobre o mar que banha a Venezuela, provocando a subida de águas ricas em nutrientes. Isso permite a proliferação do plâncton que vive perto da superfície. Quando esses organismos morrem, seus pequenos esqueletos de carbonato de cálcio se dirigem para o fundo e formam uma camada de cor clara. No verão setentrional, a zona de convergência intertropical se move continuamente para o norte até assumir uma posição próxima à costa norte da América do Sul. Os ventos alísios diminuem e começa a estação chuvosa; esta aumenta o fluxo dos rios locais, que então transportam uma carga considerável de sedimento em suspensão até o mar. Esses materiais derivados do solo acabam se depositando e formam uma camada escura de grãos minerais em cima do acúmulo anterior de microfósseis claros no fundo oceânico.

Embora em outros locais organismos escavadores revolvam tais depósitos sazonais, a anóxica bacia de Cariaco mantém bem definidos esses pares de camadas claro-escuras. Os estratos alternados podem ser contados e na prática representam um relógio de tiques semestrais que os geólogos podem usar para determinar exatamente em que ano os sedimentos foram depositados. Para as pessoas interessadas na história da civilização maia, é uma coincidência feliz que tanto Yucatã quanto o norte da Venezuela passem pelo mesmo padrão geral de precipitação sazonal, com as duas áreas perto do limite norte da zona de convergência intertropical. Portanto, os sedimentos marinhos da bacia de Cariaco guardam muitas informações sobre as mudanças climáticas pelas quais os maias passaram.

Começamos nosso trabalho em 1996, quando o navio-sonda científico Joides Resolution, operado por uma equipe internacional de pesquisa denominada Programa de Perfuração do Oceano, navegou até o centro da bacia de Cariaco. Ali, os técnicos perfuraram o solo e retiraram uma coluna de sedimento com 170 metros de comprimento, com o objetivo específico de sondar as mudanças climáticas tropicais. O estudo desses sedimentos, acumulados em enormes quantidades e conservados sem nenhuma perturbação desde a época de sua deposição, ofereceu a nós e a outros geólogos um raro vislumbre em alta resolução do passado distante. Um aspecto importante de nosso trabalho é a medição da concentração de grãos minerais gerados pela erosão no continente sul-americano adjacente para estimar a quantidade de chuvas que caíram sobre ele.

Seria possível determinar isso através do exame direto dos sedimentos sob o microscópio, mas a caracterização de milhares de pares de camadas sedimentares por esse método é extremamente tediosa. Depois de experimentar vários métodos, concluímos que o mais útil era a medição de titânio e ferro, elementos abundantes na maioria das rochas continentais mas ausentes dos restos de organismos marinhos. Níveis elevados de titânio e ferro indicam, portanto, que grandes quantidades de silte e argila foram carregadas pelas chuvas do continente para a bacia. A descoberta desses elementos em abundância em dada camada de sedimentos implica que a precipitação na região - e, por inferência, sobre o Yucatã - deve ter sido alta na época da deposição. Sua ausência, ao contrário, indica chuvas esparsas.


2ª Parte -->

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