segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O declínio dos Maias

As Chuvas no Primeiro Milênio

Quantificar a concentração de elementos químicos no material depositado com métodos tradicionais consome muito tempo e ainda tem a desvantagem de destruir a amostra sob estudo. Esses problemas foram superados com a recente introdução da chamada fluorescência de raios X. A técnica consiste na iluminação de uma amostra com raios X e na medição da quantidade de luz emitida em função do comprimento de onda. Uma análise adequada desse espectro de luz (que pode ser inteiramente automatizada) revela a concentração de vários elementos na amostra. No processo, as colunas devem ser partidas ao meio para avaliar a abundância de elementos em seu interior, com escâner apropriado. Esse método produz registros bem mais detalhados que a extração e a quantificação de amostras individuais.

Inicialmente, realizamos medições de fluorescência de raios X com um escâner instalado na Universidade de Bremen, Alemanha, onde o Programa de Perfuração do Oceano mantém um repositório delas. Determinamos a concentração de titânio e ferro em espaçamentos de 2 mm ao longo de uma seção sedimentar de interesse que já tinha sido datada por radiocarbono, mas, depois de encontrar variações quase idênticas nesses dois elementos, optamos por rastrear apenas o titânio.

Nesse intervalo, e com essa resolução de medição, o traço mais óbvio é o nível geralmente baixo de titânio nas camadas depositadas entre cerca de 500 e 200 anos atrás, período que corresponde ao que alguns climatologistas chamam de Pequena Era Glacial. Esses resultados supostamente refletem condições secas e indicam que a zona de convergência intertropical e sua precipitação associada não devem ter chegado tão ao norte como agora. Encontramos vários outros intervalos com concentração baixa de titânio, inclusive nos sedimentos depositados entre cerca de 800 e 1000 d.C., que correspondem ao período de intensa estiagem inferido por Hodell e colegas pela análise dos sedimentos do lago Yucatã.

O trabalho de Hodell dava a impressão de que uma longa "super-seca" havia castigado a terra natal dos maias por um ou dois séculos, com conseqüências devastadoras para a população nativa. Mas tal interpretação incomodava alguns historiadores. Eles sustentavam, baseando-se em indícios arqueológicos, que a cronologia e o padrão regional do colapso variava consideravelmente. Um modelo de "seca que explica tudo" parecia demasiado simplista, dado que o colapso ocorreu aparentemente em diferentes lugares e em diferentes épocas, e até mesmo poupou alguns centros populacionais.

Embora a bacia de Cariaco seja bem distante da península do Yucatã, seus sedimentos oferecem a possibilidade de obter uma cronologia extremamente detalhada das mudanças climáticas antigas. Assim, buscamos tirar o máximo proveito desse registro, de modo a obter conhecimento geral mais detalhado do clima durante o colapso maia. Infelizmente, tínhamos atingido a resolução analítica máxima do escâner de Bremen. Contudo, com a ajuda de Detlef Günther e Beat Aeschlimann, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Zurique, conseguimos resultados muito melhores, usando um sistema especial de microfluorescência de raios X montado em seu laboratório. Esse instrumento foi projetado para amostras pequenas, não sendo apropriado para longos cilindros de sedimento, mas pôde acomodar pedaços curtos de material retirado deles. O dispositivo permitiu a realização de análises de elementos com espaçamento de 50 micrômetros, o que nas colunas sedimentares de Cariaco corresponde a um período de cerca de dois meses - resolução incrivelmente fina para sedimentos marinhos, já que uma única amostra tipicamente abrange centenas de milhares de anos de história geológica.

Com o sistema suíço, medimos dois trechos de sedimento que cobrem, juntos, o intervalo temporal entre 200 e 1000, concentrando-nos nas camadas depositadas durante o colapso terminal do período Clássico. Esse intervalo revelou uma série de quatro mínimos de titânio bem definidos - provavelmente estiagens de vários anos que ocorreram durante um período já mais seco que o normal. Embora a contagem de pares de camadas de sedimento forneça informações precisas sobre a duração dessas secas (de três a nove anos) e sobre o espaçamento entre elas (de 40 a 50 anos), a datação absoluta desses eventos continua imprecisa. As medições de radiocarbono da coluna que usamos, combinadas com a contagem dos pares de camadas sedimentares, parecem indicar que as quatro estiagens ocorreram por volta de 760, 810, 860 e 910, mas na verdade não é possível falar em datas com esse grau de precisão, pois a técnica do radiocarbono tem incerteza de cerca de 30 anos para amostras dessa idade.

Cronologia Complexa

Os arqueólogos geralmente concordam que o colapso terminal do período Clássico ocorreu primeiro na região sul e central das planícies do Yucatã e que certas áreas ao norte entraram em declínio independentemente cerca de um século depois. Esse padrão de abandono é o oposto do que se esperaria com base na precipitação, que é mais alta no sul que no norte. Alguns historiadores apontaram essa incongruência: para eles o papel do clima no declínio maia não foi importante. Contudo, deve-se levar em conta a facilidade de acesso às fontes de água subterrâneas, que podem sustentar a população durante longos períodos de seca.

Tanto agora como durante o apogeu dos maias, os aqüíferos subterrâneos naturais eram importante fonte de água doce para uso humano. Eles são mais acessíveis no extremo norte da península, e os maias foram capazes de atingir o lençol freático nas várias colinas da região (lugares onde o teto de uma caverna subterrânea desmoronou) e de escavar poços. Entretanto, em direção ao sul, a paisagem se eleva e a profundidade até o lençol freático aumenta, o que torna impossível o acesso à água subterrânea com a tecnologia da época. Portanto, os povoados mais ao sul, totalmente dependentes das chuvas para suprir suas necessidades de água, provavelmente eram também mais suscetíveis aos efeitos de uma seca prolongada que as cidades com acesso direto às fontes subterrâneas. Essa diferença crucial ajuda a explicar por que a seca poderia ter causado maiores problemas no sul normalmente mais úmido.

Embora haja consenso de que o abandono dos principais centros populacionais começou no sul e se espalhou para o norte, Gill propôs um padrão tripartite de colapso, mais controverso. Com base em análise das últimas datas registradas pelos maias, entalhadas em monumentos de pedra conhecidos como estelas, ele concluiu que houve, de fato, três fases de colapso relacionadas às secas ocorridas entre 760 e 910, com peculiar progressão regional.

A primeira fase, segundo ele, ocorreu entre 760 e 810. A segunda estava praticamente encerrada por volta de 860. A terceira e última terminou por volta de 910. Notando uma coincidência entre as datas finais dessas três fases e a cronologia dos períodos de frio especialmente rigoroso na Europa (como mostra o registro de anéis de crescimento de árvores na Suécia), Gill especulou que os despovoamentos ocorreram um tanto abruptamente no fim de cada fase, que eles foram essencialmente resultado das secas e que estas estavam vinculadas às condições frias nas latitudes maiores.

O modelo de três fases de colapso, e em especial a base arqueológica para a cronologia proposta, têm sido tema de intenso debate. Há consideráveis divergências, por exemplo, sobre a interpretação das últimas inscrições datadas nas estelas como registros exatos do abandono das cidades. Além disso, Gill considerou apenas os maiores sítios maias em sua análise original. Portanto, há certamente espaço para dúvidas. Ainda assim, os episódios de estiagem que inferimos do registro geológico da bacia de Cariaco coincidem notavelmente com as três fases de abandono propostas por ele.

Por exemplo, o início da primeira fase de dispersão do modelo de Gill, por volta de 760, corresponde claramente a uma redução abrupta na precipitação inferida pelos sedimentos de Cariaco. Nos 40 anos subseqüentes, a precipitação parece ter apresentado ligeira tendência a decrescer a longo prazo. Esse período culminou em uma década ou mais de seca intensa, que, dentro dos limites de nossa cronologia, coincide com o fim da primeira fase proposta por Gill. O colapso da sociedade nessa época limitava-se às planícies ocidentais, região com pouca água subterrânea acessível cujos habitantes dependiam quase exclusivamente das chuvas para suprir suas necessidades.

O fim da segunda fase de colapso está marcado no registro de Cariaco por um nítido intervalo de baixas concentrações de titânio, ou seja, uma seca extraordinariamente intensa que durou três ou quatro anos. A evasão das cidades nessa fase ficou basicamente restrita à porção sudeste das planícies, região com lagoas de água doce que devem ter secado durante esse período.

De acordo com Gill, a terceira e última fase do colapso ocorreu por volta do ano 910, afetando centros populacionais nas planícies centrais e setentrionais. Baixos valores de titânio nos sedimentos da bacia de Cariaco indicam mais um período coincidente de estiagem, de cinco ou seis anos.

Embora a correspondência entre o modelo de estiagem de Gill e os nossos achados seja muito boa, admitimos que provavelmente nenhuma causa isolada possa explicar um fenômeno tão complexo quanto o declínio maia. Em seu recente livro Colapso - Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, Jared Diamond argumenta que pode ter havido confluência de fatores que condenaram os maias: população em expansão que operava no limite dos recursos disponíveis, degradação ambiental na forma de desmatamento e erosão das encostas, crescimento das guerras internas e liderança focada em preocupações de curto prazo. Ainda assim, Diamond admite que uma alteração climática, na forma de secas prolongadas, pode ter ajudado a desencadear os eventos que desestabilizaram a sociedade maia.

Alguns arqueólogos salientaram que o controle das reservas de água fornecia uma fonte centralizada de autoridade política para as elites maias dominantes . Portanto, os períodos de seca poderiam ter minado a instituição do governo maia quando as tecnologias e os rituais existentes deixaram de prover água suficiente. Grandes centros populacionais dependentes desse controle foram abandonados, e as pessoas mudaram primeiramente para o leste e depois para o norte durante as sucessivas secas em busca de fontes mais perenes de água. Entretanto, ao contrário do que aconteceu durante os intervalos anteriores de precipitação baixa, aos quais os maias resistiram, o ambiente durante os estágios finais do colapso encontrava-se no limite da capacidade (por causa do crescimento populacional durante os períodos mais úmidos), e a migração para áreas menos afetadas pela seca não era mais possível. Em suma, acabaram as opções.

Clima na História Humana

A possibilidade de combinar o registro geológico com informações arqueológicas e históricas tradicionais representa um poderoso meio de estudar como uma sociedade reage às mudanças climáticas do passado distante. Embora o impacto socioeconômico dos eventos recentes do El Niño ou da terrível seca que atingiu o centro dos Estados Unidos nos anos 30 - provocando tempestades de poeira que varreram todo o solo para o oceano e causaram a migração de 500 mil pessoas - sejam fáceis de estudar, os climatologistas sabem relativamente pouco sobre as conseqüências de mudanças climáticas mais antigas e longas. Nos últimos anos, contudo, registros de alta resolução de colunas de gelo, anéis de crescimento de árvores, corais e certos sedimentos de mar profundo e de lagos começaram a fornecer uma idéia cada vez melhor da mudança climática nos últimos milênios.

A coincidência da seca com o colapso da civilização maia é apenas um exemplo. No sudoeste americano, indícios de uma redução drástica na umidade do ar entre 1275 e 1300, obtidos pelos anéis de crescimento de árvores, levaram à conclusão de que o clima influiu no desaparecimento do povo anasazi, habitante dos penhascos. E existem sinais de que mudanças climáticas semelhantes podem ter sido responsáveis por outros eventos importantes na história humana. O colapso do império acadiano da Mesopotâmia, o declínio da cultura moche na costa do Peru e o fim da cultura tiwanaku no altiplano bolívio-peruano há aproximadamente 4.200, 1.500 e mil anos, respectivamente, foram todos vinculados a secas persistentes de longa duração nessas regiões. Antes de evidências geológicas dessas secas antigas se tornarem disponíveis, cada um desses colapsos culturais, como o dos maias, foi distribuído unicamente a fatores humanos - guerra, superpopulação ou esgotamento de recursos.

A ascensão e queda da civilização maia clássica representa um modelo típico de evolução social humana. Portanto, é significativo descobrir que a história dos maias estava tão intimamente ligada a questões ambientais. Se a civilização maia pôde entrar em colapso sob o peso de eventos climáticos naturais, é de interesse mais que acadêmico ponderar como a sociedade moderna se sairá diante de mudanças climáticas incertas nos próximos anos. Entender como as culturas antigas reagiram às mudanças climáticas no passado pode render lições importantes para a humanidade no futuro.


<--1ª Parte


.:: Scientific American Brasil

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