segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Novas descobertas no templo perdido

No templo são colocadas estátuas dos deuses e figuras colossais do rei, vindas de todas as pedreiras do país. Alguns dos gigantes são de quartzito vermelho, do Gebel el Ahmar (a leste do Cairo atual). Outros são de alabastro branco de Hatnub, do Egito Médio, ou de granito rosa, de Assuan.


Até agora, 84 estátuas de Sekhmet, conservadas
ou fragmentadas, foram descobertas por
arqueólogos na borda do pátio de colunatas.

Em 1335 a.C, no ano da morte de Amenófis, que faleceu com aproximadamente 50 anos após longa enfermidade, o templo se estende por mais de meio quilômetro, de leste a oeste.
Mastros de bandeiras dominam o imponente portal de entrada, com os Colossos de Memnon. O pátio atrás conduz ao segundo pilone de tijolos de barro, revestido de cal. Diante dele se encontram quatro mastros de bandeira de cedro revestidos de ouro - indícios da douração são encontrados posteriormente pelos arqueólogos - bem como dois gigantes sentados do faraó, de quartzito, com 15 metros de altura. Diante de um terceiro portal, estão sentados em tronos de granito negro mais um par de colossos. Dessa vez, de alabastro.
Somente tendo atravessado esse pilone, atinge-se finalmente o interior do templo propriamente dito. Colunatas com mais de 15 metros de altura ladeiam o pátio calçado com placas de arenito, a partir do qual os sacerdotes, por meio de um salão fechado, chegavam ao santuário.
Como todo templo egípcio, o de Amenófis também é um local dos deuses. Mas o faraó colocou a construção sob um tema bem especial: sua festa Sed, que ele festejara no total três vezes, na presença das divindades egípcias. Por isso, mandou ampliar o complexo em três oportunidades, a cada nova edição. Sakhmet, sua deusa protetora pessoal, também guarda, em muitas estátuas, o desenvolvimento do mesmo ritual.

Mas essa fortaleza para a eternidade é mais do que um palco de culto, ela é um retrato do Egito e de seu direito de potência cinzelado em pedra: as estátuas na parte norte do santuário mostram o rei com a coroa do Baixo Egito. Na parte sul, Amenófis III carrega a coroa do Alto Egito, e nos pedestais, os escultores colocaram os nomes de dúzias de povos e locais estrangeiros. Ao sul, os vizinhos africanos negros. Ao norte, os povos da região do Mar Mediterrâneo.


No segundo pilone (torre de portal), a maior área
de escavação é aberta pelos arqueólogos. A mão
monumental à frente pertence a um dos dois colossos
de Amenófis III, ao lado sul (1). ladeavam o portal, até
que um terremoto por volta de 1210 a.C. os derrubou.

Cada nome está inscrito em um oval, que representa um muro de uma cidade. Em cima, uma cabeça sai do anel, com os traços característicos de cada um desses povos. Em torno de cada figura, representando os povos, estão cordas, que terminam nas plantas do brasão do Egito: umbelas de papiro para os povos do norte, flor de lótus para os povos do sul. Os braços que saem por trás desses ovais estão amarrados. Assim, simbolicamente, todos os povos são tidos como prisioneiros do faraó.
As listas dos nomes mostram o conhecimento que os egípcios tinham do mundo em 1350 a.C. e quão poderosa era a consciência que tinham deles mesmos.


Ladrões de pedra reduziram a milhares de pedaços os
colossos do rei que caíram no segundo pilone (2). Poucos
fragmentos estão tão bem conservados quanto essa
cabeça que um trabalhador limpa com um aparelho
especial, retirando as de cal das toneladas de peso (3).

Todos os grandes reinos do sul estão na lista: Cuche e Jam, no curso superior do Nilo, e Punt, que, provavelmente, ficava na costa da Eritreia ou da Somália. Entre os povos do norte, pela primeira vez se encontra no Egito o retrato característico de um príncipe hitita: uma indicação do reino que se fortalecia na Anatólia, um concorrente acirrado dos faraós.
Especialmente interessante é a lista do Egeu. No templo real de Amenófis III se encontram, em escrita hieroglífica, as referências mais antigas de localidades da Grécia Primitiva. Entre elas: Troia, Cnossos e Micenas. Novo é o nome Grande Jônia. É a referência mais antiga aos jônios, que viviam na Ásia Menor. Também os "danaos" (gregos) entram aqui pela primeira vez na história.
Ocorre que o Egeu nunca esteve sob controle egípcio. Lá, as legações do faraó travavam apenas de relações comerciais com os minoicos, em Creta, e com os micênios, no continente grego.
O reino hitita, na Anatólia, também não aparece em qualquer citação do reino. Amenófis III entende que o inimigo cresce com a presença dos hititas na terra dos faraós. Como se pode ver pela correspondência recebida em escrita cuneiforme, os soberanos trocam cartas corteses, mas nem sempre amistosas.

Ainda há paz. As fronteiras ainda são respeitadas e raramente soldados são enviados. O Egito tem Mitani e a Babilônia a seu lado, e mantém relações econômicas com o Egeu.
Mas Akhenaton, filho e sucessor de Amenófis III, não tem o talento diplomático de seu pai.
As relações com o Egeu são cortadas. Os hititas põem em dúvida a prerrogativa de comando do Egito sobre a Síria. As forças se desequilibram. E também a "fortaleza para a eternidade", de Amenófis III, esse baluarte contra o esquecimento do diplomata magistral e deus vivo, é logo relegado ao declínio.


Outro santuário, cuja construção é atribuída a Amenófis III, mas
que está bem melhor conservado: o templo de Luxor, inaugurado
em 1.370 a.C., em Tebas. Cada uma de suas colunas se assemelha
a um feixe de papiro, que juntos simbolizam a terra pantanosa
primitiva, na qual, segundo a mitologia, surgiu o mundo.

Poucos anos após a morte do rei, os iconoclastas de Akhenaton começam a despedaçar o templo. Pois o filho, ao contrário de seus antecessores, idolatra um único deus: o disco solar Aton.
Os esbirros de Akhenaton tiram o nome das imagens do deus Amon, venerado por Amenófis III.

O pesadelo, no entanto, dura pouco tempo: soberanos sucessores trazem novamente os deuses antigos, restauram o nome de Amon nas inscrições e voltam a frequentar o templo real de Amenófis III. Isso acontece durante a "bela festa do vale do deserto" . Mas durante o governo do faraó Merneptah, por volta de 1210 a.C., o templo é abalado por um terremoto. Geólogos descobriram, em 2006, os sinais típicos dessa catástrofe. A fortaleza para a eternidade sucumbe: juntamente com o pátio das colunatas, cerca de 40 imagens monumentais do rei e duas grandes pedras memoriais viram cacos. Sob o ímpeto de seu próprio peso, os colossos que estão à frente do segundo e terceiro pilones caem de seus pedestais e se despedaçam. O templo se transforma em uma pedreira.

O próprio Merneptah acaba usando os blocos de pedra do santuário na construção de seu próprio templo real. E é seguido pelos próximos faraós.
Um novo terremoto no século 1º a.C. danifica o Colosso de Memnon situado ao norte. Só agora esses gigantes recebem nomes, com os quais são conhecidos por qualquer pessoa que viaja ao Egito. Visitantes gregos veem no colosso lesado uma figura mitológica: Memnon, o filho da deusa do amanhecer, morto na batalha de Troia. Como o colosso emite ruídos estranhos ao nascer do Sol - causados pela expansão do ar que se aquece nas rachaduras e fendas que se estendem pela estátua -, os gregos interpretam esses rumores como uma elegia de Memnon por Eos, sua mãe.

Inscrições em grego e em latim nos colossos, antigos grafites, falam da força de atração do gigante que canta sobre as pessoas da Antiguidade. Somente quando o imperador romano Septímio Severo manda restaurar o colosso, por volta de 200 a.D, é que termina o espetáculo acústico. A atração turística perde seu encanto.Por fim, no século 19, caçadores de estátuas, a mando de colecionadores europeus, retiram das ruínas do templo o que lhes parece ter algum valor: duas cabeças de estátuas colossais do pátio de colunatas vão para Londres, duas esfinges seguem para São Petersburgo para enfeitar as margens do rio Neva. Atualmente, quase todos os museus etnológicos abrigam uma daquelas estátuas de Sekhmet, que Amenófis III havia mandado fazer aos centos.

Antes da construção da segunda represa em Assua, em 1971, o Nilo, ano após ano, inunda a área do templo. O lodo se instala aos pés dos Colossos de Memnon, com uma espessura de 2 a 3 metros. Juncos dominam o terreno, espinhos de camelo quebram com suas raízes as ruínas escondidas na terra.
Os nativos chamam o areal de kom el-hettan, "colina dos arenitos". Na superfície não se vê mais muita coisa do templo. E o que continua reconhecível, não dá muita esperança, por causa de seu estado. A maioria dos cientistas deixa o templo simplesmente de lado.

Nos anos 60 do século passado, pesquisadores do Instituto Suíço para Pesquisa Arquitetônica Egípcia examinaram as ruínas do templo, constatando de modo realista em seu relatório final: "Sem dúvida, aqui ainda há muitas descobertas por fazer. Melhor seria se pudéssemos utilizar bombas, paredes de estacas- pranchas e guindastes. Nesse caso, estaríamos diante da incômoda questão: o que, afinal, se faria com os pedaços do zoológico de estátuas de Amenófis III? Os museus do Cairo, de Turim, Paris e Londres já estão satisfeitos com suas estátuas de Sekhmet."

Mas Hourig Sourouzian, a atual diretora de escavações, tem como meta manter todas as partes do santuário em seu lugar original. Para ela, inscrições, estátuas e templo formam uma unidade indivisível. Rainer Stadelmann, ex-diretor do Instituto Arqueológico Alemão, em Cairo, tem a mesma opinião. Ele está trabalhando nas listas de povos estrangeiros e supervisiona a restauração dos Colossos de Memnon.


O achado mais recente: no segundo pilone, na parte
frontal do gigante do lado sul, os arqueólogos
descobriram uma imagem incólume da
rainha Tiy, a esposa principal de Amenófis.

Nos últimos anos, a equipe que trabalha com os dois cientistas fez o levantamento cartográfico de todos os restos do templo. Trata-se da primeira escavação sistemática no templo de Amenófis III.

O tempo esquentou bastante na kom el-hettan. Está quente demais para um dia de meados de março. O ar cintila por cima dos milhares de fragmentos de estátuas do templo, que estão classificados conforme o material e a forma do objeto. Todos recebem uma marcação manuscrita sobre posição e data de sua descoberta.
Várias equipes de restauradores europeus e egípcios cuidam dos colossos de quartzito despedaçados junto ao segundo pilone: estátuas reais, de granito rosa, tocos de colunas e estátuas de Sekhmet.

Estudantes passam a catalogar as relíquias. Especialistas em tijolos de barro examinam, no segundo pilone, um portal que ali existia. Posicionado à beira da escavação, o portal tem o tamanho de uma quadra de basquete e 3,5 metros de profundidade. A tarefa não é fácil, pois os especialistas precisam diferenciar os tijolos de barro não queimado do portal do chão de barro que o cerca.

Sem as bombas, os trabalhos não seriam possíveis. Se elas parassem de funcionar, dentro de poucas horas a área da escavação estaria inundada e, por consequência, as relíquias e os fundamentos dos dois colossos de quartzito, que acabaram de descobrir no segundo pilone, também ficariam de baixo d'água.

López Marcos e sua equipe levaram um mês e meio apenas para conseguir retirar da cova a parte inferior de um dos dois gigantes, de 450 toneladas. Foram utilizadas na operação: almofadas pneumáticas, guincho mecânico e trilhos perfeitamente lubrificados, para movimentá-lo para os lados. O que resta do gigante ainda está dentro da cova.

Aproximadamente a 30 metros, a oeste, Hourig Sourouzian tenta reconstruir a planta do pátio de colunatas que ficava diante do santuário. Ladrões de pedra daquela época já haviam levado parte dos muros e a maioria das colunas. Onde antigamente se erguiam paredes, agora existem apenas profundos buracos, recheados de terra. Nesses lugares, os arqueólogos encontram de tudo, desde materiais "sem valor" até peças consideradas sagradas demais para serem reutilizadas em novas construções, como as estátuas de Sekhmet.

"Este é um mundo às avessas", diz Hourig Sourouzian. "Enquanto em outros monumentos estão preservadas as paredes e às vezes até os forros, aqui não se encontra nem sombra da decoração do templo. Em kom el-hettan pouco se vê de estátuas, memoriais em pedra e altares. É por meio dos objetos encontrados que identificamos um lugar onde, antigamente, havia pilones e paredes." Às 13h30, após sete horas de trabalho, o capataz egípcio soa um apito e dá por encerrado o expediente dos operários. À tarde, os cientistas passarão os valores de seu aparelho de medição para os computadores, cuidarão de seu banco de dados de achados, desenharão e farão fotografias dos objetos. Isso acontece seis dias por semana, de sábado a quinta-feira, até o início de abril. Depois disso, o calor fica insuportável.

Alguns dias antes, a equipe de López Marcos havia re-erguido um colosso completo de Amenófis III: após 3.200 anos, levanta-se novamente uma estátua do rei no pátio das colunatas. Apenas a cabeça, de aproximadamente 1,30 m, com a coroa vermelha, não é de quartzito. É uma cópia de material sintético tingido, oca, reforçada por dentro com fibra de vidro. O original se encontra há quase 200 anos no British Museum, em Londres.
Dessa maneira, o templo ressurge, peça por peça.

Dentro de, aproximadamente, dez anos, Hourig Sourouzian quer apresentar ao público, em grandes partes, o santuário restaurado. Isso se ela conseguir as verbas necessárias: seu projeto é um dos poucos empreendimentos no Egito que se mantêm exclusivamente de doações.

Até 2020 todas as colunas danificadas do pátio de colunatas estarão recuperadas, assim como as estátuas e memoriais em pedra. Os cientistas pretendem indicar no terreno, por meio de modernos tijolos de barro, a localização e as dimensões dos imensos portais.

O Sol se põe atrás das montanhas ocidentais tebanas. Hourig Sourouzian está sentada na varanda superior do "Hotel Marsam". A pousada simples, perto do kom el-hettan, serve de moradia e local de trabalho para muitos escavadores. Os Colossos de Memnon brilham à distância, sob a luz dos holofotes.

Mas em breve, a vista se modificará radicalmente. A equipe internacional pretende re-erguer, 100 metros a oeste dos Colossos de Memnon, outro par de gigantes de pedra, quando então quatro gigantes, sentados em tronos, cumprimentarão os visitantes da necrópole de Tebas. De longe, eles serão testemunhas de um monumento único de profunda fé e imenso poder.


<--1ª Parte


.:: Revista GEO

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