domingo, 6 de dezembro de 2009

O Império do Sol

Acima, o imperador Atahualpa sendo capturado pelos espanhóis.


Segundo o escritor e antropólogo norte-americano Kim MacQuarrie, autor do livro Th e Last Days of the Incas (Os Últimos Dias dos Incas, em português), argumenta que o espanhol, então com 54 anos, deparou-se com uma situação bastante favorável na América Andina, no século XVI: a guerra pela sucessão do trono de Huayna. Os nativos estariam enfraquecidos, pois haviam travado uma "sangrenta guerra civil" para ver quem assumiria o controle do império. Após anos de combates, que custaram a vida de muitos guerreiros, Atahualpa derrotou seu irmão, Huascar, e tomou para si o poder incaico.

Esse, aliás, é um fator muito importante para entender a fragilidade dos indígenas em relação aos europeus: a questão é que havia uma verdadeira guerra fratricida nos Andes, com dois irmãos lutando francamente pela conquista do poder: muitos membros rebeldes de comunidades anexadas torciam pela queda de ambos, para conseguirem a libertação. Isso, conforme explica o historiador Eduardo Natalino dos Santos, do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da USP, era uma situação relativamente comum naqueles tempos. Ele argumenta que essas disputas pelo trono eram freqüentes, sobretudo por se tratar de uma sociedade tão diversa e com pequenas unidades, autônomas e diversificadas, submetidas a um único controle hegemônico.

Apesar da proximidade geográfica, havia inúmeros pontos de discórdia entre eles. "Esses grupos tinham costumes relativamente comuns, mas compunham grupos étnicos distintos, cada qual com sua identidade particular. Portanto, não era uma relação tão harmoniosa", conta o historiador. Essas diferenças e rusgas entre os povos andinos não passaram despercebidas pelos castelhanos. A Espanha, aliás, já vinha de uma experiência bem-sucedida de dominação no Caribe, cuja expedição começou por volta de 1490. Lá, os invasores encontraram formas de criar alianças com nativos, para auxiliar no combate às lideranças locais. E deu certo.

Quando os espanhóis chegaram ao Peru, o império inca já estava enfraquecido pelas brigas internas

Uma lhama nas ruínas incas - o animal era utilizado para transporte de carga e produção de lã.



Como os incas não conheciam a escrita, eles desenvolveram um sistema de cordas chamado quipo, que servia para registrar as estatísticas, como os números relacionados às colheitas, habitantes e impostos

O DOMÍNIO ESPANHOL

Percebendo essas brigas internas também nos Andes, os espanhóis conseguiram, em pouco tempo, firmar suas alianças com os rivais de Atahualpa, que se bateu com Pizarro na Batalha de Cajamarca. Algumas fontes afirmam que o inca comandava uma força formada por quase 80 mil homens nesse combate. Outros, contudo, acreditam que não passavam de 50 mil guerreiros, muitos deles famintos, feridos, doentes ou sem armamentos adequados.

O fato, porém, é que a captura do inca pode ter ocorrido por conta de uma traição. O espanhol teria convidado o líder inca para partilhar uma refeição noturna, quando talvez pudessem conversar sobre a guerra. Contudo, a guarda pessoal do conquistador estava escondida no momento em que se encontraram, de tocaia, esperando o melhor momento de prendê-lo.

Recebido pelo padre Vicente Valverde, Atahualpa teria sido surpreendido ao saber que, na realidade, não se tratava de um "jantar de negócios", mas sim de uma prisão. Um tradutor intermediou as exigências feitas pelos europeus: queriam a conversão do imperador e de seu exército ao cristianismo, além, claro, de aceitarem a submissão à corte espanhola.

Como o inca recusou-se a aceitar, a declaração de guerra foi feita e, com isso, o combate teve início. Após horas de batalha, Atahualpa não encontrou outra salvação, a não ser se entrincheirar dentro de um templo. Capturado em seguida, o líder inca ofereceu o pagamento de um resgate de numerosas peças de ouro e prata, mas, mesmo assim, foi capturado e julgado por uma dúzia de crimes, dentre os quais heresia - algo que, pelas leis espanholas, resultaria em pena de morte.

E foi o que aconteceu. Condenado à morte na fogueira, Atahualpa aceitou a conversão e, após ser batizado católico, teve a pena amenizada por seus algozes: assim, em julho de 1533, quase um ano depois da derrota em Cajamarca, o inca foi estrangulado.

CAUSAS DA DERROTA

O antropólogo MacQuarrie, em seu livro, lembra que uma das principais vantagens militares dos conquistadores eram os armamentos utilizados no combate. Além da cavalaria bem treinada e das experiências anteriores acumuladas em diversas outras expedições de conquista, o MacQuarrie cita ainda o uso de armaduras e espadas, da pólvora e, principalmente, da tática militar empregada na batalha contra os incas.

Contudo, será que, mesmo bem armados, tão poucos espanhóis conseguiriam derrotar um exército local, já acostumado com as adversidades do terreno, do clima e da altitude? Eduardo Natalino dos Santos acredita que não. Segundo ele, a derrota incaica só pode ser compreendida em sua totalidade ao avaliar o contexto geral daquele conflito. Sendo assim, é fundamental levar em consideração as alianças entre invasores e as diversas facções incas e mesmo com tribos andinas rivais. Sem a ajuda desses rebeldes, os espanhóis talvez não tivessem conseguido aprisionar Atahualpa em tão pouco tempo.

As doenças levadas pelos europeus mataram mais a população nativa da América do que as armas de fogo

Cristiana Bertazoni lembra outro fator importante nesse conflito, que nada teve de relação com domínio de tecnologia bélica: a guerra bacteriológica. A questão é que, para o sistema imunológico dos nativos, muitas doenças, teoricamente comuns aos europeus, eram letais.

Um dos casos seria a morte de Huayna Capac, que teria caído vítima de catapora, segundo alguns estudos, ainda polêmicos. "A guerra bacteriológica foi muito pior do que as armas de fogo dos espanhóis, pois assolou populações inteiras. Ou seja, diversos tipos de bactérias, até então inexistentes na área andina, foram responsáveis pela morte de milhares de indígenas que não tinham resistência imunológica a esses microorganismos", diz a arqueóloga.

De todo modo, as forças de resistências não foram capazes de conter o avanço dos inimigos. Munidos de lanças e escudos, os incas não conseguiram deter as tropas de Pizarro, que atacavam com fúria para subjugar os nativos o mais rápido possível. Assim, Atahualpa caiu e foi capturado naquela manhã de 16 de novembro de 1532.

Segundo MacQuarrie, que morou cinco anos no Peru durante seus estudos de campo, mesmo o pagamento em ouro não foi suficiente para impedir a execução do líder cativo. A civilização inca, com isso, ficaria claramente dividida em duas partes bem distintas.

PONTOS TURÍSTICOS

As cidades pré-colombianas de Macchu Picchu e Cuzco, que recebem anualmente milhares de turistas, são tidas, respectivamente, como centro religioso e capital do império inca.

Hoje, turistas de todo o mundo se acotovelam nas ruas de Macchu Picchu e disputam os melhores ângulos para fotografar as antigas ruínas da opulenta cidade inca. Contudo, ela não era o principal centro populacional da região incaica, ficando atrás de Cuzco, em termos de importância. Embora o império não fosse unificado, mas sim uma aglutinação de pequenos reinos sob um comando inca, pode-se compreender que a "capital" era Cuzco.

De acordo com o historiador Eduardo Natalino dos Santos, da USP, Cuzco guardava as origens da etnia e, por isso, era tão importante para os indígenas. Contudo, não era a única. "Atahualpa, por exemplo, estava numa 'segunda capital', Tumibamba, no Equador, na época da chegada dos castelhanos", conta.

Macchu Picchu era uma cidade bem menor, cuja função para o império ainda não foi totalmente esclarecida pelos historiadores. Alguns acreditam que era um grande centro religioso, pois ficava em um ponto mais elevado. No entanto, essa afirmação pode ser refutada por alguns especialistas que crêem em outros significados diversos.

Kim MacQuarrie, autor de The last days of the incas, esclarece que as ruínas de Macchu Picchu, eleita uma das Sete Maravilhas do Mundo Moderno, em 2007, foram descobertas pelo jovem explorador americano Hiram Bingham, em 1911, durante uma expedição à América Latina. Escondida em meio a uma selva densa, abafada, até então desconhecida pelos aventureiros e localizada no topo de uma grande cadeia de montanhas, Macchu Picchu foi considerada, em um primeiro momento, a antiga e lendária Vilcabamba, onde o espanhol Francisco Pizzaro enfrentou a resistência inca por anos.

Contudo, essa idéia inicial foi logo esquecida. O fato, explica MacQuarrie, é que até hoje a cidade dos rebeldes permanece oculta na selva peruana, à espera de seu descobridor. No entanto, talvez nunca seja encontrada, pois faltam referências geográficas mais precisas para auxiliar em sua busca.




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