domingo, 6 de dezembro de 2009

O Império do Sol

RESISTÊNCIA E ALIANÇA

A queda de Atahualpa representou um marco muito importante para a historiografia incaica e andina. Apesar do império nunca ter sido efetivamente unificado, todos os grupos anexados eram regidos por um poder central. Agora, a situação seria diferente, pela primeira vez. Com a captura do líder inca, no século XVI, surgiu uma divisão muito nítida entre aqueles que apoiavam os espanhóis e buscavam se aliar aos novos "vizinhos", e aqueles que queriam expulsar os inimigos a todo custo - mesmo que isso custasse mais mortes.

Desta forma, explica MacQuarrie, uma parte dos incas refugiou-se na cidade de Vilcabamba, ou Antisuyu, na parte amazônica do império inca. Cristiana Bertazoni, da USP, conta que, após a morte de Manco Inca, em 1534, muitas lideranças locais assumiram para si a responsabilidade de confrontar os inimigos europeus, afinal, os feitos do inca falecido já se tornavam lendários na região. O movimento, que até poderia ser comparado a uma guerrilha ou uma guerra de trincheiras, causou inúmeras baixas ao inimigo.

Entrevista com Kim MacQuarrie

O antropólogo, filmmaker e escritor norte-americano Kim MacQuarrie dedicou cinco anos de sua vida às pesquisas de campo que realizou no Peru. O objetivo era entender não apenas como essa civilização viveu, mas, sobretudo, como ela caiu diante dos conquistadores espanhóis.

MacQuarrie, que já havia realizado trabalhos semelhantes na Sibéria e Papua Nova Guiné, publicou três livros sobre a sociedade andina, inclusive o livro The last days of the incas. Nessa obra, o pesquisador buscou compreender os motivos que levaram os incas à ruína, e constatou: não foi apenas o domínio de uma tecnologia bélica mais aprimorada que levou os espanhóis à vitória. Segundo ele, a morte de Huyana Capac, vítima de catapora, resultou em uma guerra civil para decidir sua sucessão, que contribuiu para a ruptura do império, e os conquistadores aproveitaram essa situação. Confira abaixo uma breve entrevista que Kim MacQuarrie concedeu à Leituras da História.

LH: Depois da execução de Atahualpa, em 1533, o império se dividiu em duas metades, uma alinhada aos espanhóis e outra formando uma resistência. Atahualpa não tinha filhos aptos a reivindicar o trono? Kim MacQuarrie: Sim, ele tinha filhos, sim. Mas, depois que os espanhóis o assassinaram, eles colocaram o irmão de Atahualpa no trono inca, só que ele morreu pouco depois. Então, os conquistadores colocaram no poder um outro irmão, Manco Inca, que liderou a grande rebelião contra os espanhóis em 1536. O último imperador inca, Tupac Amaru, foi executado em 1572.

LH: Quais fatores foram determinantes para os espanhóis conseguirem derrotar os incas? Kim MacQuarrie: Houve muitos fatores que culminaram na vitória dos espanhóis. Eles tinham cavalos, pólvora, canhões, arcabuzes, armaduras e navios. Eles também tinham muita experiência de combates contra outros povos nativos em vários lugares do mundo. E, claro, a varíola também chegou ao Peru antes de Pizzaro e matou o imperador Huyana Capac. Foi a morte do inca que lançou o povo à guerra civil entre Atahualpa e Huascar, causando um grande enfraquecimento ao império, antes mesmo da chegada do conquistador espanhol.

LH: Além dos espanhóis, os incas tiveram outros inimigos na região? Kim MacQuarrie: Sim. Muitas das tribos que os incas tinham conquistado anteriormente não se submeteram ao seu domínio de forma simples, então, acabaram se rebelando.

O comando, então, chegou a Sayri Tupac, que abandonou a resistência em 1557, dando lugar a Titu Cusi Yupanqui - filho de Manco Inca -, e Túpac Amaru. Isso deu novos ânimos aos rebelados, que impeliam com fúria contra os espanhóis, na tentativa de expulsá-los dos territórios indígenas. Os embates contra Yupanqui e Amaro foram longos e sangrentos.

A queda de Túpac Amaru representa o fim da esperança inca de retomar o controle na região




Muitos invasores foram massacrados em pequenos combates nas proximidades da cidade e, mesmo com o uso de cavalos e armas de fogo, não conseguiam transpor as defesas de Vilcabamba. Porém, lembra Cristiana, a morte dos dois líderes, provavelmente em 1572, resultou no fim da chamada resistência neo-inca.

Segundo ela, alguns estudiosos acreditam que a queda de Túpac Amaru representa o fim de qualquer tentativa inca de retomar o controle na região dos Andes. Ainda assim, isso não significa que as escaramuças deixaram de existir completamente. Mesmo após a derrota em Vilcabamba, indígenas e espanhóis continuaram a se combater no Peru.

"Durante o período colonial era comum o aparecimento de insurgências nativas contra os colonizadores. Vale citar, por exemplo, o movimento do Taki Onqoy que surgiu na região de Ayacucho e que pregava o retorno da ordem incaica."


Pintura do peruano Luis Montero (18271869) mostra o funeral de Atahualpa


Por outro lado, um grupo de dissidentes andinos decidiu manter uma aliança com os espanhóis. Essas tribos formaram um governo lado a lado com os conquistadores, na cidade de Cuzco. "Eles não viam a aliança como o fim do mundo incaico, e também não se consideravam menos incas do que os outros", explica o historiador Eduardo Natalino dos Santos.

Nessa cidade, as elites locais passaram a se integrar com os conquistadores, com o aval dos próprios europeus. Muitas nativas, assim, acabaram se casando com espanhóis e gerando filhos mestiços. Essa forma de convivência durou até o fim do período colonial, no século XVIII. A questão é que, com o tempo, esses nativos aliados foram perdendo os privilégios concedidos pelos conquistadores. Ao longo dos anos, foram perdendo cada vez mais o status na sociedade - no fim, são esses descendentes de incas que podem ser vistos no Peru e na Bolívia até hoje.

Cristiana Bertazoni Martins faz questão de esclarecer um ponto fundamental para compreender melhor a história da formação étnica da América Latina: os espanhóis não derrotaram toda a nação incaica, mas sim uma parte daqueles povos. "Apesar do alto número de índios que faleceu por uma razão ou outra, a área andina estava densamente povoada. Até os dias de hoje, os descendentes dos incas estão presentes de forma bastante significativa na cultura contemporânea do Peru, Equador e Bolívia", afirma a arqueóloga.


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