sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Petra, sinfonia inacabada dos nabateus

Das mãos de um povo nômade surgiu uma das maravilhas da Antigüidade: uma cidade esculpida em arenito que resistiu à ação do tempo.

Por 600 anos, uma cidade encravada no deserto da Jordânia foi considerada lenda, como Atlântida ou Tróia. Apesar de dezenas relatos ancestrais, que descreviam com precisão os monumentos grandiosos esculpidos em rocha, ninguém foi capaz de localizá-la até o início do século XIX.


A Câmara do Tesouro, ou El-Khazneh, marca a
primeira de muitas edificações suntuosas de Petra.

Segundo essas mesmas narrações, Petra surgiu pelas mãos dos nabateus, que apareceram no Oriente Próximo por volta do século VI a.C., durante o Império Persa. Segundo os historiadores Estrabão e Diodoro da Sicília, os nabateus eram cerca de 10 mil beduínos que viviam do transporte de especiarias, incenso, mirra e plantas aromáticas. Eles levavam a carga da Arábia Feliz, atuais Iêmen e Omã, até o Mediterrâneo.

Esses nômades, “desejosos de preservar sua liberdade chamando de ‘sua pátria’ ao deserto, não plantavam trigo e não construíam casas”, como conta-nos Jeremias, no Velho Testamento, iriam surpreender a todos criando um império e esculpindo sua capital – Petra.

Os nabateus instalaram-se nas terras de Edon, a sudeste do mar Morto. Lá, dispunham de um entreposto “sobre uma rocha extremamente forte, que tinha uma só encosta”, segundo Diodoro. Tratava-se certamente do monte Umm el Biyara, em pleno centro do maciço de Petra. Ainda em nossos dias, o acesso ao seu cume é muito difícil. Com suas sete cisternas e as vertentes verticais, essa montanha é uma fortaleza inexpugnável.




A escolha do local se explica com facilidade: segurança em um sítio bem abrigado, existência de água – fator primordial no deserto –, e a possibilidade de controlar as vias do transporte caravaneiro: Petra se encontrava no cruzamento das grandes estradas entre Síria e mar Vermelho, Arábia Feliz e Golfo Pérsico, Índia e Mediterrâneo.

O platô encontrado por esse povo repousa sobre uma formação gresosa de arenito, onde o gênio humano concorreria com o da natureza e o todo nos mostraria uma sinfonia inacabada, que a erosão seguiria esculpindo diariamente.

Assim, com a força do tempo, formou-se um corredor de 3 km dentro dos arenitos, que se tornou o trajeto para o centro de Petra. Com 3 metros de largura e 100 metros de profundidade, essa impressionante garganta desemboca no majestoso El-Khazneh, ou a Câmara do Tesouro: a decoração superior desse monumento, considerado uma tumba real, provavelmente a de Aretas IV, é coberta por uma urna e tudo é talhado na massa de arenito.

Depois da travessia pelo caminho estreito e tortuoso, a paisagem se abre progressivamente, para mostrar uma grande depressão circundada por um conjunto de montanhas. Compreende-se agora por que era impossível dominá-la militarmente.

Há apenas um relato de que isso quase ocorreu: Diodoro conta que Ateneu, um general de Antígono sucessor de Alexandre, o Grande, tomou a fortaleza de Petra em 312 a.C., enquanto os nabateus participavam de uma feira regional conhecida como panegíria. As mulheres, crianças e idosos estavam sozinhos quando a cidade foi atacada. Mas os homens retornaram logo e perseguiram os invasores pelas montanhas, fazendo um verdadeiro massacre.


As tumbas dos reis esculpidas em arenito.

Nos séculos III e II a.C., na rota das caravanas entre Petra e Gaza, apareceria a primeira inscrição mencionando um rei de Nabatéia. Seu nome, Aretas, seria recorrente na história daquela região. Em 168 a.C., Aretas I já ostentava orgulhosamente o título de “Tirano dos árabes”, que não possuía a conotação pejorativa atual. Outro grande personagem nabateu foi o rei Obodas I, que derrotou, em 93 a.C., no Golã, Alexandre Janeu, primeiro rei dos judeus, de quem retomou as terras de Gallad e de Moab. Oito anos depois, matou o rei sírio Antíoco XII no Neguev. Essas façanhas lhe valeriam a divinização e o título nabateu de Ilaha, que queria dizer deus. A Nabatéia tornou-se, a partir de então, uma potência do Oriente Próximo. O reino de Aretas III (84-62 a.C.) se estendia desde o norte da Arábia, no Sinai, até Damasco.

Porém, a expansão desse estado no Oriente Próximo não era vista com bons olhos por Roma. Efetivamente, cada vez mais os nabateus interferiam na política regional. Assim, por exemplo, no ano 31 a.C., Malichos, rei deste povo, queimou os barcos que Cleópatra tentava levar do Mediterrâneo ao golfo de Suez, na batalha de Actium. Por volta do ano 25 a.C., o imperador romano Augusto se indisporia com os nabateus quando procurava controlar o comércio na Arábia Feliz. O então rei da Nabatéia, Obodas, confiou ao prefeito romano do Egito, Aélio Galo, um exército comandado por seu ministro Syllaios, que deveria conduzir uma expedição pelo deserto e fixar o caminho para a região almejada. Rapidamente, a falta de água obrigaria esse exército a dar meia-volta e Estrabão, em seu relato, acusou Syllaios de ter voluntariamente feito os romanos se perderem. Apesar de não ter tido sucesso, essa incursão acabou desviando as grandes rotas comerciais terrestres, fazendo-as passar pelo Egito e o poderio nabateu viu-se enfraquecido.


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